A História do D&D - a revolução das miniaturas

13/09/2008 00:43

 Autor: Sano

fonte: https://d3system.com.br/ddm1/ 21 de Dezembro, 2007

Consultoria para a matéria por Gustavo Souza “Sembiano”

A Revolução das Miniaturas no D&D


Era uma vez, em 1971, um cara chamado Gary Gygax que adorava wargames, uma famosa categoria de jogos de estratégia bisnetos do xadrez da qual faz parte o nosso consagrado War, da Grow. Nessa época, quase todos wargames envolviam temática de guerra e representavam conflitos de larga escala entre exércitos numerosos. O Gygax resolveu inventar um wargame novo, com regras para combates entre grupos menores e com miniaturas adaptadas para um universo de fantasia medieval. Pra completar, ele inseriu nessa temática inovadora algumas criaturas diferentes, baseadas nos contos de fantasia que estava lendo. Batizou o brinquedo novo de Chainmail (Cota de Malha, um tipo de armadura medieval).

Clique aqui e veja a foo de uma partida de tradicional de wargame!

Até então, cada um dos peões dos wargames representavam uma grande parte do exército, muitas vezes indefinida. Não fazia diferença se a pecinha era um soldado batedor, um especialista ou um médico de campo. No próprio War, por exemplo, não interessa se o marcador é um soldado, tanque, avião ou navio; todos eles funcionam mais ou menos do mesmo jeito segundo as regras desse jogo. O Chainmail reduzia a escala desses confrontos e levava em conta quem era quem no campo de batalha, com regras para diferenciar as habilidades de cada um.

Clique aqui para ver uma partida de wargame medieval!

Junto com esse conceito de combates de miniatura contra miniatura, o Chainmail também despertou a idéia de que as pecinhas podiam representar indivíduos independentes e únicos. Eles seriam classificados não só por sua capacidade de ataque ou defesa, mas também por outras características exclusivas, como moral, percepção, resistência, técnicas e tudo mais.

Aí entra em cena um outro cara chamado Dave Arnesson, que teve a idéia de usar o Chainmail para jogar partidas onde, em vez dos jogadores controlarem pequenos grupos de miniaturas, cada um teria a sua própria miniatura! Além disso, eles ainda improvisavam interpretações dramáticas dos personagens, como numa peça de teatro ou filme de cinema.

Draconius Masmorrus Sapiens!

A primeira edição do D&D, da capa branca!A evolução natural disso tudo nasceu em 1974, quando Gygax e Arnesson lançaram, ainda pela extinta TSR, a primeira versão do primeiro RPG do mundo! Nascia nosso velho conhecido Dungeons & Dragons, que recomendava o uso das miniaturas do Chainmail nos combates. Daí por diante, o D&D se tornaria o RPG mais jogado do mundo e… Bem, o resto da história todo mundo já conhece.

Vamos dar um salto no tempo — tchau miniaturas, adeus TSR e lá se foi o AD&D — no ano 2000, aconteceu o lançamento da terceira edição das regras do D&D. Agora, o jogo estava sob custódia da Wizards of the Coast, uma empresa que fez sucesso e, diferente da falida TSR, juntou uma fortuna com um jogo de cartas chamado Magic: The Gathering. O Magic existe até hoje e faz um tremendo barulho! Infelizmente, fora a temática de fantasia medieval, esse baralho não tem nada a ver com D&D (e nem sequer com RPG).

A WotC é uma subsidiária da gigantesca Hasbro — uma empresa colossal do ramo de entretenimento, dona de franquias milionárias da indústria dos brinquedos, como G. I. Joe, Meu Pequeno Pônei e Transformers — ou seja, agora o D&D precisava realmente começar a mostrar serviço! Numa tentativa de renovar o jogo (que já estava um pouco desgastado) houve um resgate das raízes do D&D que, somadas a uma audaz jogada de mercado — uma licença aberta de desenvolvimento de conteúdo para o jogo — deu origem ao explosivo d20system (inclusive, foi de onde nasceu à brincadeira que batiza o blog!).

O resumo da ópera? O lançamento do novo D&D foi um sucesso! O jogo se revitalizou, agradou o público e voltou a vender. O que interessa aqui é que, mais uma vez, as regras novas recomendavam a utilização de miniaturas (ou marcadores até então) para a resolução dos combates no jogo. Lá se vão os jogadores de RPG atrás de miniaturas legais pra usar em seus jogos…

Pegou o bonde andando e quis sentar na janelinha…

Aproveitando toda nostalgia do D&D e a brecha das novas regras do d20system, a WotC lançou logo no ano seguinte (em 2001), um jogo de miniaturas com temática de fantasia medieval, focado no universo de D&D. Adivinhe só qual era o nome desse jogo?

Pois é, o Chainmail voltou, trazendo agora as regras para duelos entre grupos ainda menores de miniaturas. No entanto, diferente do seu “ancestral homônimo” e do “primo de papel”, o novo Chainmail não vingou. Apesar de aproveitar algumas regras do famigerado d20system, ele ainda era preso demais nas regras de um wargame tradicional.

Um exemplo? O Chainmail usava distâncias medidas com fitas métricas no decorrer do jogo, criando uma dinâmica travada, que chegava a ser sonolenta… Que dizer das peças então? Elas vinham desmontadas e sem pintura! Pessoas como eu (que já batalharam com meros tubos de pasta de dentes e tampinhas garrafa durante as aulas de artes plásticas no colégio) encontraram alguma dificuldade quando o negócio era colar as peças delicadas (e importadas) destas miniaturas. Ah! E elas vinham sem pintura… Haja jornal pra proteger o chão e paciência pra limpar a bagunça.

Pra piorar de vez, as miniaturas do Chainmail eram feitas de chumbo! Apesar de não ser tóxico, esse material sofre de um tremendo preconceito por causa daquela velha história de envenenamento com as miniaturas antigas, feitas com uma outra liga metálica desse mesmo material. Esse medo de intoxicação por si só já assustava bastante os curiosos e, unido ao preço salgado desses conjuntos de peças, não colaborou em nada pra o novo Chainmail deslanchar.

Cavalaria dos Magos: Ao Resgate!

Mesmo com o fracasso da nova roupagem do Chainmail, o D&D e seu 20system eram a maior revolução do mercado de RPG desde o lançamento do primeiro D&D! Os milhares de jogadores novos e antigos realmente passaram a utilizar marcadores nos seus jogos de RPG! Como muita gente cansou de usar peões de ludo, borrachas, moedas e botões de blusa na matriz de combate do D&D (um tabuleiro quadriculado usado para guiar as batalhas segundo as regras da nova edição), o pessoal logo descobriu umas miniaturas caprichadas de um outro jogo da WotC chamado Mage Knight Rebellion (Rebelião dos Cavaleiros Magos).

Um kit inicial de Mage Knight Rebellion

Por si só, o Mage Knight era um wargame simples e divertido. Eu usei “era”, no passado, pois ele foi cancelado em 2005 pela WotC. Esse jogo era voltado para os adolescentes e por isso tinha uma mecânica ágil de rodadas, não precisava de manual de regras (só de um cartão explicativo) e trazia todas as estatísticas necessárias para o jogo na base de cada miniatura! As peças tinham graus diferentes de raridade e eram vendidas em starter sets (kits iniciais , como esse aqui em cima) com tudo o que era preciso para começar a jogar. Também haviam boosters, que são caixinhas menores, seladas e aleatórias. Elas funcionavam como aqueles envelopes de figurinhas comprados em bancas de jornal: você compra e cruza os dedos! Óbvio que, assim como as figurinhas, também dava pra trocar as miniaturas com os colegas.

Elfo AcólitoAs figuras do Mage Knight eram requintadas e chamativas. Elas logo atraíram a atenção não só dos jogadores de wargame e dos colecionadores como também dos fãs de D&D, que estavam ávidos para dar vida aos seus personagens na matriz de combate! A parte ruim é que essas miniaturas representavam figuras que nem sempre traduziam o universo e a mitologia do D&D e, além disso, a escala das peças era desproporcional ao padrão sugerido na revisão das regras (a chamada D&D 3.5, da qual falaremos mais a seguir).

Mesmo assim, entre os anos de 2001 e 2005, não era raro encontrar jogadores de D&D completando suas coleções de Mage Knight. Particularmente, nos meus jogos (onde os goblins era fichas de pôquer e os ogros tampas de vidro de maionese) foi tudo uma super novidade! Apesar das peças de Chainmail serem mais bonitas e adequadas ao D&D, o preço delas (somado à minha suposta “falta de sensibilidade artística”) me fizeram optar pelas miniaturas do Mage Knight, assim como muitos outros jogadores que conheço. Apesar dos problemas de proporção e ambientação, as minis de Mage Knight já vinham prontinhas, montadas e pintadas por profissionais!

Eis que Surge…

Em 2003 ocorreu o controverso lançamento da versão revisada da terceira edição do Dungeons & Dragons (chamada “carinhosamente” D&D 3.5). Houve uma padronização das regras e muita coisa dependia dos tais “marcadores” e da matriz de combate. Apesar dos protestos de alguns jogadores, as regras acabaram fazendo a cabeça dos fãs e aproximando ainda mais o jogo de mesa e as miniaturas.

Depois do fiasco do Chainmail, a WotC levantou, sacudiu a poeira e lançou o D&D Miniaturas. Ponto pra ela!

O Kit Inicial de D&D Miniaturas

O DDM é um jogo de ação e estratégia, mini vs. mini, com figuras de plástico colecionáveis (já montadas e pintadas!) representando os personagens e monstros mais famosos do universo do D&D. O jogo rola em cima de tabuleiros ou bases quadriculadas com a mesma proporção da matriz de combate do RPG de mesa. As miniatura são fabricadas em escala padrão, na mesma medida sugerida no D&D 3,5. Cada miniatura vem acompanhada de um cartão ricamente ilustrado, com os dados do jogo de miniaturas de um lado e as estatísticas para RPG da miniatura no verso — perfeitas para serem usadas nas batalhas durante as partidas de RPG! Dessa vez não tinha como não vingar.

Exemplo Miniatura do DDM!

O DDM é vendido igual ao Mage Knight: os entry packs (conjuntos iniciais) são embalagens maiores, voltadas para quem está começando a jogar. Elas trazem o manual de regras original (junto de uma versão nacional, traduzida para o português pela Devir), um dado de vinte faces, marcadores destacáveis, três mapas de jogo em papel de luxo e 12 miniaturas aleatórias com os respectivos cartões. Quem já tem tudo isso pode comprar os booster packs (conjuntos de aprimoramento), embalagens seladas que trazem oito miniaturas aleatórias com cartões de estatísticas.

No DDM, as peças também são classificadas por raridade, que determina a chance delas serem encontradas dentro dos packs. Diferente do D&D (que é um jogo cooperativo e exige o trabalho em equipe), o DDM coloca os jogadores frente a frente no comando de bandos de guerra. O objetivo? Depende do tabuleiro! Geralmente basta posicionar as peças em áreas estratégicas e acumular pontos, ou simplesmente eliminar as miniaturas do adversário.

Partida de D&D Miniaturas!

Para excluir a necessidade de um árbitro nas partidas de DDM (que é uma das funções do Mestre numa partida de RPG), as regras do d20system foram simplificadas. O resultado é um wargame cuja jogabilidade é extremamente similar aos combates do D&D, ou seja, um jogador de RPG familiarizado com as regras de combate do jogo de mesa vai ter facilidade em aprender o DDM, e vice-versa.

Escala do D&D Miniaturas

Esta compatibilidade é tão grande, que não demorou a surgir um jeito diferente de relacionar DDM e D&D. Além da utilização das miniaturas durante as tradicionais partidas de RPG, novos horizontes surgiram com a publicação do Miniatures Handbook (Livro das Miniaturas). Esse livro sugeria que as miniaturas fossem utilizadas como num jogo de tabuleiro (de maneira similar aos nossos saudosos Dragon Quest e Hero Quest), com cada um dos jogadores escolhendo uma miniatura para representá-lo no mapa e se unindo aos demais pra enfrentarem juntos um exército formado por monstros e inimigos controlados pelo “Mestre”.

Nessa variante, os jogadores não competem entre si como numa partida normal de de DDM. Por sua vez, eles também não se envolvem numa campanha como num jogo de D&D. O objetivo é simplesmente explorar o mapa sala por sala, até atingirem o objetivo proposto — uma travessia, resgate de reféns ou combate contra um inimigo específico, e assim por diante. É um jeito divertido, fácil e atraente de apresentar tanto o D&D quanto o DDM! Aliás, vale lembrar que, tanto no DDM como neste formato alternativo, as principais características do RPG mais jogado do mundo estão lá — classes, raças, monstros, bônus, penalidades, ataques, testes, magias, rodadas, deslocamento, habilidades especiais e, principalmente, a rolagem do d20.

Lá e de volta outra vez…

Elminster do Vale das SombrasO D&D Miniaturas é um sucesso de vendas. Ele já conta com 14 coleções lançadas nos últimos quatro anos e é uma verdadeira febre entre jogadores de RPG, wargamers e colecionadores! Além de todas as criaturas da mitologia do universo do Dungeons & Dragons, as miniaturas também trazem os personagens dos principais bestsellers da literatura ambientada nos vários mundos de D&D (Forgotten Realms, Dragonlance, Ravenloft, Greyhawk e Eberron). É pra fã de D&D nenhum botar defeito!

A certeza deste sucesso foi tão grande que o o Miniatures Handbook foi publicado pela WotC no mês seguinte ao lançamento da primeira coleção de DDM (chamada Harbinger, ou “Arauto” em português). Esse livro, além de trazer um novo modo de utilizar as miniaturas, adaptou para o RPG as classes, talentos, magias e criaturas criadas especificamente para preencher lacunas estratégicas do D&D no DDM. Drizzt Do’UrdenA classe Privilegiado (que apareceu primeiro no Livro Completo do Divino aqui no Brasil) e o Mago da Guerra (que será apresentada no próximo lançamento da Devir em português, o Livro Completo do Arcano) foram criadas para DDM e só foram trazidas para o RPG de mesa depois, no MnH. No entanto, esse suplemento se firmou como um divisor de águas nesse “retorno às origens” por trazer regras adaptadas para batalhas em massa usando DDM, ou seja, voltando ao wargame — o jogo que inspirou Gary Gygax a criar o Chainmail, lá no início da década de setenta — agora com regras bem mais caprichadas.

D&D 4E e o D&D Miniaturas: O Futuro está Próximo!

Depois do seu lançamento, as miniaturas foram se envolvendo no cotidiano dos lançamentos de D&D de tal forma que hoje em dia os dois já são praticamente compatíveis! Prova disso foram as duas linhas de publicações da WotC voltadas para facilitar e aprimorar tanto o uso de miniaturas numa partida de D&D, quanto os duelos entre bandos de DDM. A primeira, chamada Fantastic Locations (Cenários Fantásticos), já conta com seis lançamentos e traz mapas em papel de luxo e um livreto com as descrições dos encontros dele de maneira que esses mapas possam ser utilizados tanto como módulos de RPG (similares à aventuras prontas, como a Cidadela Sem Sol) quanto como campos de batalha para duelos de D&D Miniaturas.

Fantastic Locations

A segunda linha está no seu quinto volume (com o sexto já previsto pra Março do ano que vem). O Dungeon Tiles (Masmorra Montável) é um acessório com cartões de alta gramatura que, depois de destacados, podem ser encaixados para simular corredores, aposentos, mobílias, armadilhas e todos os componentes característicos das masmorras de D&D. Tudo feito na escala certinha para as minis de DDM. Um prato cheio para os fãs de ambos produtos!

Dungeon Tiles

Essa integração entre D&D e DDM está dando tão certo que a WotC já deu várias dicas que muitas das características do jogo de miniaturas vão influenciar fortemente a quarta edição das regras do jogo de RPG (que têm lançamento marcado nos EUA pra Junho próximo e pinta aqui no Brasil em meados de 2009). Os vídeos de apresentação que mostram algumas das “ferramentas virtuais” que a empresa pretende disponibilizar para os Mestres no lançamento do D&D 4E apresentam elementos muito familiares para quem já conhece as miniaturas e a linha Dungeon Tiles, por exemplo.

DnDInsider

Nos produtos mais novos, até mesmo a diagramação e o modo como o material (principalmente os encontros e mapas) são apresentados nos livros oficiais já mudou bastante para refletir algumas melhorias que o jogo de miniaturas trouxe para o RPG. Experimente folhear a nova série de aventuras prontas que começa com The Scourge of the Howling Horde (O Flagelo da Horda Uivante, uma aventura introdutória para personagens de 1º nível) ou os novíssimos exemplares da série Expedition to [insira aqui o seu lugar perigoso predileto] e veja como as coisas ficaram mais práticas e interessantes pra todo mundo! Tudo muito bem separadinho: encontros pra um lado (com mapas detalhados e planilhas de consulta rápida) e tramas de enredo pro outro (com todo requinte que as histórias épicas do jogo merecem). Tudo feito de uma forma mais moderna, prática e que agrada ambos os públicos.

Expedition to [insira aqui o seu lugar perigoso predileto]

O fato é que tudo indica que as miniaturas vão estar cada vez mais envolvidas nos jogos de D&D, e vice-versa. É curioso notar como este ciclo entre wargame e D&D se renova constantemente. Felizmente, parece que agora as coisas conseguiram se encaixar de uma forma bem coesa — ambos estão se ajudando reciprocamente a aprimorar suas dinâmicas e mecânicas e, acima de qualquer outra coisa, tornando nossos jogos de D&D (seja RPG ou Miniaturas) cada vez mais divertidos.

Voltar

Comentários

Data
De
Assunto

Miniaturas RPG

Olá Sano,

Parabéns pelo artigo, vc voltou bem uns 40 anos aí na história não só das miniaturas, mas tmb dos jogos de tabuleiro. Trabalho na <a href="https://www.tabernadodragao.com.br/loja/index.php">loja rpg</a> da Taberna do Dragão. Faz algum tempo que lido com modelos de <a href="https://www.tabernadodragao.com.br/loja/miniaturas-rpg-c-3.html">miniaturas rpg</a> e não conhecia metade desta história, legal mesmo. :)

Pesquisar no site

© 2008 All rights reserved.